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sexta-feira, 6 de abril de 2012

"L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância", BERTRAND BONELLO. 2011


"Homens nunca olham suficiente dentro do sexo de uma mulher."

O filme supostamente está na França em algum lugar entre o fim do Seculo 19 e o início do 20. Toda a ação se passa num bordel do haut monde. Está aí o primeiro atrativo dessa produção: não é figura de linguagem dizer que a encenação é limitada pelas paredes da mansão de tolerância.
Bonello articula seu filme para justamente passar a sensação de espaço fechado e de passagem cíclica de tempo. Tão forte é essa percepção que o diálogo expõe como um grande evento a saída de uma das prostitutas para fora das paredes da casa com um cliente. É um acontecimento deixar os muros de L’Apollonide.
Não é por capricho, então, o começo à Elefante do filme. Somos convidados a acompanhar um período de tempo pela perspectiva de diferentes mulheres que lá trabalham, entrelaçando passagens e espaços em comum por ângulos diversos. Um comentário da característica circunspecta do enredo e do caráter paralelo de uma casa de tolerância na alta sociedade francesa. Paralelo porque moralmente recriminado, mas inteiramente incorporado a ela, mesmo que por debaixo dos panos.
Existe um trecho, porém, em que saímos – elas, as prostitutas, e nós, espectadores com olhos de clientes para seus corpos – da casa e vamos para fora. Ar livre, um rio, o vento gostoso que bate na pele. Muitas mulheres nuas, felizes porque peladas sem que isso signifique oferecer-se ao cliente que paga por momentos de prazer.
Naqueles momentos a palavra liberdade é encenada com gratidão rara.
Voltamos, porém – elas e nós –, à casa, ao espaço fechado, pois a diversão foi apenas uma tarde de verão. Não que o bordel seja melancólico em L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância. Não há um julgamento moral, felizmente, por parte do filme. Todavia, a melancolia é um sentimento que se faz presente porque lida-se com a frustração delas, as putas, e deles, os clientes. Porque o sexo, momento ímpar de cumplicidade, tem hora para acabar. E quando o fim chega, para o homem é a volta ao mundo; para a mulher, ou o fim do tormento (pois tem clientes que…) ou do sonho (pois na casa fala-se de sexo, mas também, como indica o título do filme, de amores).

O Sexo e o Tempo
Em tempos caretas, de novas gerações que admiram o vampiro que só aceita transar depois de casado – e escondendo o corpo da câmera –, e comparado com a longa tradição de filmes sobre sexo sem o dito cujo,L’Apollonide é um filme devasso. Ótimo, pois precisamos de devassidão no cinema, de mulheres e homens cujos corpos não são evitados pela câmera, mas sim elogiados por ela.
Iliana Zabeth, peitos redondos e beleza cândida, não é atalhada pela câmera. Nem Alice Barnole, que leva o fetiche de um cliente ao limite e protagoniza a cena mais dura e atroz do filme. Nem Céline Sallette, em sua magreza, ou Hafsia Herzi, para qual a visão eurocêntrica reserva a classificação “beleza exótica”.
De todos os elementos do filme que nos deixam atordoados após a sessão, sem ter muito claro na mente que tipo de produção acabamos de assistir, são dois que especialmente causam a confusão: o sexo e a definição temporal.
O primeiro, pelos fetiches e a falta de pudor de L’Apollonide em mergulhar neles. Um dos clientes só consegue ter prazer se transar com uma mulher dentro de uma banheira de champanhe. Outro, precisa experimentar o orgasmo da fronteira entre a projeção do poder e a execução da violência. Outro, pede que uma das mulheres se comporte como boneca, literalmente. Outro – não à toa, interpretado por Jacques Nolot, e quem conhece os filmes dele como diretor sabe do que estou falando – amam, ao seu modo, mas amam. Outro, um pintor, pouco se importa com as aparências e estabelece com as prostitutas um acordo sexual claro.
Além do abraço aos fetiches, outro aspecto de L’Apollonide que desconcerta é o hibridismo da localização temporal do filme. A direção de arte é típica de um filme de cortesãs, mas a colocação de várias cenas paralelas dentro do mesmo plano dá outro tom ao filme. A música abre espaço para as esperadas peças sinfônicas de um filme de época, mas é entrecortada por rock e blues moderno – Mozart anda ao lado de Lee Moses.
De que período histórico estamos mesmo falando? Essa associação cheia de ruídos entre tempo e estilos dão um caráter atemporal a L’Apollonide. Mas não se trata de atemporalidade como commodity do mercado cinematográfico – tão valorizada nos bastidores da produção quanto “história universal” –, mas da amplitude sincera que esse filme proporciona para a interação.
Um inclassificável jogo de contradições é este longa de Bonello. Previsível porque deixa claro o arco dramático de casa de tolerância, da alvorada ao seu crepúsculo. Imprevisível porque nos momentos em que esperamos delimitação clara ou contenção na condução, Bonello ou embaralha ou vai mais a fundo.
L’Apollonide fica nesse limiar entre mais um filme de época e um grande filme sobre o desejo e seus alimentos, seja no haut monde cortesão parisiense ou nos becos de uma metrópole cosmopolita do Século 21, e como suas respectivas sociedades o recebem. Ora de um lado da ponte, ora de outro.

Artigo de Heitor Augusto, revista Interlúdio. *

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